sábado, 2 de novembro de 2013

Os 2 livros de Samuel - Estrutura e Síntese de Conteúdo



Os livros de Samuel estão colocados na Bíblia hebreia em seguida de Josué e Juízes e antes dos 2 livros dos Reis, formando todos eles um bloco de “profetas anteriores” para distingui-los dos “profetas posteriores” (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os 12 profetas menores). A versão  grega dos Setenta, seguida pela Vulgata e por outras versões antigas, intercala o livro de Rute entre Juízes e Samuel, e reúne os 2 livros de Samuel e Reis sob a denominação 1 e 2 de Reis (= 1 e 2 de Samuel) e 3 e 4 dos Reis (= 1e 2 de Reis), que têm características que os distinguem dos subsequentes.

Os Livros 1 e 2 de Samuel apresentam a monarquia sucessória a partir de Davi como sistema de governo querido por Deus para seu povo. Mostram como modelo a este rei que, apesar de suas limitações pessoais e dos seus delitos, foi sempre favorecido pelo Senhor e se manteve fiel a seus desígnios, humilhando-se e pedindo perdão de seus pecados. A história contida nos livros de Samuel abarca uma etapa transcendental da na vida de Israel, que se estende desde o nascimento de Samuel, o último dos juízes. Até o final da vida de Davi. Trata-se do período em que as doze tribos passaram de um regime de liderança ocasional a constituir um estado organizado com uma monarquia hereditária e única segundo o modelo dos reinos vizinhos.

Ainda que estes Livros contenham elementos poéticos colocados estrategicamente ao princípio, como o cântico de Ana (1 Sm 2, 1-10) e, ao final, o salmo de Davi (2 Sm 22,2-51), constituem um relato continuado, no qual se evidencia como Deus atua entre os seus, como elege a seus representantes – a Samuel primeiro e depois aos reis – como rechaça a Saul por sua infidelidade e favorece a Davi, seu servo fiel, e como mantém sua aliança apesar dos pecados dos homens.

Estrutura e Síntese do Conteúdo

Os protagonistas da trama narrativa são Samuel, Saul e Davi. O conteúdo de 1 e 2 de Samuel se pode dividir de acordo com os personagens que vão sendo apresentados:

I-               História de Samuel. A Arca (1 Sm 1,1-7, 17). Há duas apresentações de Samuel, uma como profeta (1 Sm 1,1-4.1) e outra com características análogas às dos juízes (1 Sm 7,2-17). Separando as duas seções há o relato de episódios em torno à Arca da Aliança, e a primeira vitória sobre os filisteus (1 Sm 4, 1-7, 1).. 

II-             Samuel e Saul (1 Sm 8,1-15,35). Narram-se alguns acontecimentos. Em um relato, diz-se que Samuel ungiu espontaneamente a Saul como rei, após um encontro fortuito quando este buscava asnas de seu pai que haviam se perdido (1 Sm 9,1-10,16). Em outro, Samuel foi ungido a pedido do povo (1 Sm 8,1-23; 10, 17-27; 12, 1-25). Saul conta ao princípio com a ajuda de Deus e do povo, mas ao final é rechaçado. Como razões para esse rechaço se aduzem duas razões: não haver esperado Samuel para realiza um sacrifício (1 Sm 13, 7-15) e haver poupado a vida do rei dos amalecitas, reservando-se parte do botim de guerra.

III-        Saul e Davi (1 Sm 16, 1-2 Sm 1, 27).Há também duplicações, como na seção anterior. Primeiro se diz que os personagens se conhecerem quando Davi entrou como músico a serviço do rei (1 Sm 16, 14-23) e mais adiante que apresentaram Davi ao rei depois de sua vitória sobre Golias (1 Sm 17, 55-58). Saul atenta duas vezes contra a vida de Davi (1 Sm 18, 10-11; 19, 10). Duas vezes se constata a popularidade de Davi (1 Sm 18,12-16.28-30) e em duas ocasiões se promete a ele casar-se com a filha de Saul (1 Sm 18, 17-19.21-27). Davi é traído duas vezes (1 Sm 23,1-13.19-28), e duas vezes perdoa a vida de Saul (1 Sm 24, 1-23; 26, 1-25). Por último, em duas oportunidades se refugia na casa de um príncipe filisteu de Gat (1 Sm 21,11-16; 27, 2-12).

IV-          Davi, Rei (2 Sm 2,1-8, 18). Nesta seção percebe-se uma mudança de estilo em relação às anteriores. Aqui não há repetições.Narram-se  de forma mais linear a consagração de Davi como rei de Judá em Hebron, e as diversas lutas e intrigas que se produzem até que é aceito também como rei por todas as tribos de Israel (2 Sm 5, 1-5).

V-              Sucessão de Davi (2 Sm 9, 1-20, 26). Nesta seção também não há repetições. No marco da guerra contra os amalecitas, narra-se  o adultério e o crime de Davi, como antecedente do nascimento do futuro sucessor, Salomão. Mas antes de que esse suba ao trono, produzem-se dentro da família de Davi muitas e dolorosas intrigas:  Amnón viola a sua irmã Tamar e é assassinado por Absalón; posteriormente este se revolta contra seu pai, que foge de Jerusalém, e termina assassinado por Joab (2 Sm 15,1-18, 32). Davi regressa de novo a Jerusalém e consegue estabelecer-se definitivamente, após derrotar alguns insidiosos (2 Sm 19,1-20, 26).

VI-       Epílogo (2 Sm 21, 1-24,25). O livro termina com um apêndice que recolhe um relato de fome e de peste que se apresenta para justificar a morte dos descendentes de Saul. Segue uma nova menção das vitórias contra os filisteus (2 Sm 21,1-22) e culmina com um salmo de Davi (2 Sm 22,1-51). O último capítulo relata o pecado do censo como circunstância para sublinhar  que Davi, arrependido, decidiu edificar um altar na era de Arauná, o mesmo local onde seria construído o futuro Templo (2 Sm 24, 1-25). 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Livro dos Juízes - Ensinamentos e à Luz do Novo Testamento



Ensinamentos

A recompilação das tradições locais no livro dos Juízes ilustra de modo exemplar a relação de Deus com seu povo. Desde o seu assentamento na terra prometida Deus se interessou por Israel e atuou em seu favor quantas vezes foi necessário. Assim, quando o povo eleito se via oprimido por alguma circunstância angustiosa, Deus intervinha para libertá-lo.

Os relatos sobre os juízes manifestam uma grande rudeza que é testemunho da situação na qual viviam as tribos de Israel nos seus primeiros tempos. O autor sagrado utiliza tradições para ilustrar a mensagem que deseja transmitir conservando os rasgos arcaicos das épocas mais antigas. Para entender adequadamente os relatos sobre os juízes convém ter em conta algumas advertências.

A primeira é que “Deus se revelou progressivamente” (CEC 199, 204, 287, 486, 758, 992-96). Isto é: a Revelação divina se foi realizando de modo gradual, tanto nos conteúdos doutrinais como na sensibilidade ética. Por isso, não se podem tomar agora como modelos uns personagens que atuam com umas convicções ou uns critérios ético superados quando a Revelação alcançou sua plenitude em Jesus Cristo. Mesmo na época em que o livro foi redigido algumas práticas já estavam superadas. Também é necessário ler as narrativas no contexto de toda a obra. Lidas em seu conjunto, as façanhas dos juízes não foram incluídas no livro sagrado como modelos de comportamento nem de atitude religiosa. Esses homens viveram em um tempo de costumes e de valores muito elementares, que manifestam a rudeza daquela época. Ainda que a Sagrada Escritura fale claramente desses acontecimentos, não pretende apresentá-los como exemplares.

As tradições acerca do das gestas dos juízes se incluíram no livro sagrado como testemunho de que Deus não se esqueceu de seu povo quando este se encontrava angustiado e suscitou uns homens capazes de livrá-los de seus opressores.

O autor sagrado, ao apresentar a cada um dos juízes maiores, desenvolve os elementos da tradição agrupando-os em torno a um esquema: pecado, castigo, salvação. Todo o livro é um chamado a viver a fidelidade à Aliança. O pecado é uma ruptura a esta fidelidade. No entanto, frente à fragilidade do povo, se ressalta a paciência e a fidelidade de Deus.

A intervenção salvadora de Deus começa pela eleição gratuita do homem a quem corresponderá reestabelecer a situação. Assim o expressa, por exemplo, o diálogo de Gedeão com o Anjo do Senhor: “Gedeão replicou: Por favor, meu senhor, como poderei eu libertar Israel? Minha família é a mais humilde de Manassés, e na casa de meu pai eu sou o último. O Senhor respondeu: “Eu estarei contigo, e tu derrotarás os madianitas como se fossem um só homem” (Jos 6,15-16).

O livro dos Juízes é também um canto de libertação. Quando Deus contempla as dificuldades de seu povo ante o perigo e escuta seu pedido de ajuda, vai libertá-los de seus inimigos temporais,  Estas experiências de liberação de libertação são os primeiros marcos, depois da libertação do Egito, da ação divina que culminará na libertação definitiva. Essas recordações servirão para alimentar a esperanças nos momentos difíceis do Desterro (sec. VI a. C), e são presságio de realidades mais profundas que se manifestarão posteriormente. 

O Livro dos Juízes à Luz do Novo Testamento

O ensinamento teológico do livro dos Juízes encontra sua plenitude à luz do Novo Testamento. A Encarnação do Filho de Deus e sua missão salvífica são a manifestação patente de que Deus não se despreocupa de seu povo nem da humanidade como um todo.

A iniciativa de Deus ao escolher uns homens e a gratuidade dessa chamada, que já se descobrem no livro dos Juízes, aparecerão mais profundamente no Novo Testamento. Assim o ensina por exemplo São Paulo:”De fato, irmãos, reparai em vós mesmos: não há entre vós muitos sábios de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem de família nobre. Mas o que para o mundo é loucura, Deus os escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus escolheu para envergonhar o que é forte”. Deste modo, ao constatar a imensa desproporção entre as qualidades dos eleitos e os frutos que produz o seu labor, percebe-se com claridade que a eficácia vem de Deus.

Alguns relatos do Livro dos Juízes foram contemplados pelos Padres da Igreja à luz do mistério de Cristo. Por exemplo, a figura de Sansão foi comparada com Jesus Cristo, e seu triunfo sobre os filisteus é para os cristãos um símbolo da redenção divina e da vitória sobre a morte. Na vida da Igreja, a experiência da libertação que transmite o livro dos Juízes é compreendida como antecipação da ação de Jesus Cristo, pleno libertador do homem, não só das condições materiais adversas e injustas, mas autor da mais profunda libertação, a do pecado e da morte.

(cfr. Biblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra). 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Livro dos Juízes - Estrutura, síntese e composição



No Livro dos Juízes se narra a chegada do povo de Israel à terra de Canaã, as dificuldades com as quais se foram encontrando em seu assentamento em cada zona e a proteção divina que puderam experimentar nas situações difíceis que se apresentaram às diversas tribos. Nesses momentos mais adversos Deus foi suscitando uns líderes carismáticos, os “juízes”, que tinham a missão de salvar o povo.

Estrutura e síntese do livro

Depois de um prólogo no qual se condensam os ensinamentos do livro, sucedem as narrações das façanhas realizadas por diversos juízes. Essas narrações são cada vez mais extensas e, conforme o texto avança, outros relatos vão sendo anexados.

Prólogo (1,1-3,6) Consta de duas partes. Primeiro se fala da chegada das tribos israelitas à terra de Canaã e de seu paulatino assentamento em seus territórios (Jz 1,1-36). Depois se expressa o ensinamento teológico fundamental do livro: Israel permanecerá nessa terra enquanto seja fiel ao Senhor, mas na medida em que se afaste de Deus deixará de contar com o favor divino. O Senhor deu reiteradas mostras de sua fidelidade suscitando juízes que salvem o povo das situações perigosas, mas Israel reincidiu uma e outra vez na infidelidade.

Os relatos de juízes compreendem seis histórias em torno a outros tantos personagens: 1) Otniel, da família de Caleb (3,7-11); Ehud, da tribo de Beijamin(3,12-30); Débora, da tribo de Efraim (4,1-5,32); Gedeon-Yerubaal, da tribo de Manassés (6,1-10,5); Jefté, de Galaad (10,6-12,15) e Sansão, da tribo de Dan (13,1-21,25).

Composição

A redação definitiva do livro dos Juízes foi realizada dentro do processo de composição da “história deuteronomista” da qual forma uma parte importante.

Os relatos exemplares incluídos no livro tomam seu argumento, possivelmente, de dados tradicionais de diversas procedências. No total se fala de doze juízes – um para cada tribo – mas só se narra com certa extensão as façanhas de seis deles. Cada tribo haveria ido recordando os feitos dos heróis pretéritos, transmitindo-os de geração em geração. Em alguns casos, as histórias logo se revestiram de forma literária, como o “Canto de Débora”. Outras memórias foram transcritas posteriormente.

Na época do desterro esses relatos foram agrupados nesse livro para ilustrar o ensinamento teológico fundamental próprio da “história deuteronomista”: a inquebrantável de Deus em contraste com as reiteradas infidelidades de Israel. No entanto, em sua redação se respeitaram os rasgos mais genuínos de cada relato, ainda que em alguns casos se apresentem chocantes para o ensinamento geral que se quer transmitir. Por isso se narram, sem reprovação explícita, fatos ou costumes discordantes, como por exemplo a possibilidade de dar culto a Deus em diversos santuários, e não só em Jerusalém, ou no oferecimento de um sacrifício humano por parte de Jefté.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Livro de Josué - Ensinamentos e À luz do Novo Testamento



Ensinamentos

Deus é fiel e sempre cumpre suas promessas. Assim se faz constar de modo explícito: “De todas as promessas favoráveis que o Senhor havia proferido para a casa de Israel nenhuma falhou, todas se cumpriram” (Jo 21,45).

A tradição bíblica apresentar com singular realce os protagonistas dos grandes momentos da história, eleitos por Deus para realizar seu grande projeto de salvação. Josué é um desses protagonistas, instrumento de Deus para introduzir o povo na terra prometida. Assim como durante a peregrinação pelo deserto Moisés havia sido o mediador entre Deus e o povo,  agora Josué desempenha essa tarefa. Porém, o protagonista principal é o povo. Na narração da passagem do Jordão, e das primeiras conquistas da terra prometida, o povo de Deus é apresentado como uma nação santa, em disposição litúrgica, presidida pela Arca da Aliança, símbolo da presença de Deus entre os seus. Deste modo, fica claro que a conquista da terra é um dom de Deus concedido a seu povo por meio de seu servo Josué, e não por seus dotes guerreiros nem pelo potencial ofensivo de suas armas. O próprio Josué, após concluída a conquista da terra prometida, será o mediador da renovação da Aliança em uma cerimônia realizada em Siquém, na qual o povo se compromete a ser fiel ao Senhor e a cumprir os seus preceitos.

Convém também ressaltar a força com que o texto sagrado insiste uma e outra vez na unidade do povo. Ainda que algumas tribos hajam recebido sua herança antes de passar ao Jordão, para entrar na terra prometida, não abandonaram seus irmãos na tomada de posse de Canaã (Jos 1, 10-16; 22,1-8). Na narração se sublinha que todo o povo unido, sob a liderança de Josué, realizou a conquista. Por sua vez, o povo unido deve reconhecer que há um só Deus, o Senhor, que lhes prestou auxílio, o único ao qual devem servir.

À luz do Novo Testamento

A figura de Josué, instrumento de Deus para introduzir o povo na terra prometida, representa uma verdadeira antecipação profética de Jesus Cristo. Seu próprio nome, Josué, é idêntico ao de Jesus. Ambos significam “o Senhor salva” (em hebreu, Yehosú’a). Josué proporcionou a seu povo a salvação ao introduzi-lo na terra, mas também salvou a pessoas que não formavam parte dele, como Rajab e sua família (Jos 6, 22-25), que haviam secundado os planos de Deus e manifestado assim sua fé com obras. Também Jesus, que veio trazer a salvação a Israel, a faz extensiva a todos os homens e mulheres de todas as raças da terra que secundam os planos de Deus.

O paralelo entre Josué e Jesus foi desenvolvido por alguns Padres da Igreja. São Justino explicou que assim como Josué sucedeu a Moisés e introduziu ao povo na terra prometida, Jesus substituiu a Moisés, e seu Evangelho à Lei mosaica, e conduziu ao novo povo de Deus à salvação. Origenes estabeleceu um paralelo espiritual entre Josué, que conduziu a Israel à vitória abatendo reinos, cidades e inimigos, e Cristo, que guia a alma e lhe proporciona a vitória sobre os vícios e paixões.

(cfr. Biblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra). 

sábado, 27 de julho de 2013

Livro de Josué - Estrutura e Composição



O livro de Josué narra a conquista da terra prometida, mostrando o cumprimento das promessas feitas por  Deus aos Patriarcas. O povo eleito, dividido em tribos, constitui uma nação unida na conquista da terra, realizada com o auxílio do Senhor. As tribos israelitas não conquistaram Canaã em virtude de seu poder militar, mas foi Deus quem pôs a terra em suas mãos, e Ele mesmo a repartiu para que pudessem usufruir da paz e prosperar.  Deus é fiel e pede fidelidade de todo o povo à Aliança estabelecida. 

Estrutura do Livro

Prólogo (1, 1-18) – Serve de união com o Pentateuco e enuncia os principais temas do livro: a continuidade que existe entre a missão de Moisés e a de Josué enquanto mediadores entre Deus e o povo; e a unidade do povo, cujas tribos realizam juntas a conquista de todo o país.

Conquista da terra prometida (2, 1-12,24) e Distribuição da terra prometida (13, 1-21,45)Epílogo (22,1-24,33) Conclusão reforçando os dois grandes temas enunciados no Prólogo: Primeiro se faz notar que todo o povo unido empreendeu a conquista da terra; a continuidade entre Moisés e Josué; e a exortação ao povo para manter-se fiel ao Senhor e cumprir a Aliança que o Senhor fez com seus antepassados e que agora renovam em Siquem.


Composição

Muitas famílias teriam suas tradições e relatos da chegada das tribos àquele território. O trabalho de redação do livro de Josué reuniu diversos relatos anteriores em uma narração continuada, realizada por autores da chamada “tradição deuteronomista”.

O elenco das heranças correspondentes a cada tribo que aparece na segunda parte do livro tem sua origem provável em documentos escritos ao Sul de Canaã, já que o relato é bem mais rico e preciso ao falar de Judá e Beijamin, que se situam nessa zona da região. A maior parte dessa seção pertence à tradição sacerdotal.

Os elementos de diferentes origens foram reunidos e dotados de unidade neste Livro com uma finalidade eminentemente teológica dentro do marco deuteronomista: a terra de Israel é um dom de Deus concedido a seu povo, que há de ater-se com fidelidade ao prescrito na Lei para conservar esse benefício. 

domingo, 14 de julho de 2013

Deuteronômio



O quinto livro do Pentateuco procede da tradução que a versão grega do Antigo Testamento, chamada dos Setenta, fez de Dt 17, 18: ao invés de traduzir “que faça escrever (o rei) para seu uso, em um livro uma cópia desta Lei” escreveram: “esta segunda Lei” (= to deuteronomión toúto). No entanto, o nome não é impróprio. O livro compreende, junto com recordações históricas, longos discursos, exortações, um segundo corpo de leis, que contêm, com maiores ou menores diferenças, um corpo de leis semelhante ao conteúdo no livro do Êxodo (e, às vezes, no Levítico). No judaísmo, este livro é designado por seus primeiros vocábulos: “Elle ha-debarim” (“Estas são as palavras”), ou, simplesmente, Debarim.

Ensinamentos

O ensinamento teológico básico do Deuteronômio pode ser resumido nas seguintes características: um Deus, um povo, um templo, uma terra, uma lei.

A unicidade de Deus é proclamada solenemente em Dt 6,4: “Escuta Israel, o Senhor nosso Deus, é uno”. Esse “uno” não apenas se opõe ao politeísmo, mas também proclama a íntima unidade divina: Deus não está dividido. Por isso, o amor a Ele deve também ser indiviso: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus com todo teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,5).

O culto também há de estar unificado em um só santuário: o Templo de Jerusalém (Dt 12).

Esse Deus único elegeu um povo e com ele fez uma Aliança. O Deuteronômio não distingue no povo tribos e famílias – diferentemente da “tradição sacerdotal”. Trata-se do Povo de Deus, no qual todos são irmãos.

A Terra de Israel é um dom de Deus a seu povo.

A Lei é a expressão da vontade de Deus, que mostra a seu povo o caminho a ser percorrido.

O Deuteronômio à luz do Novo Testamento

O grande tema do Deuteronômio, que é a unidade, encontra sua plenitude em Cristo, o Filho Único de Deus que chama todos os homens a participar da natureza divina pela graça: “Que todos sejam um, como tu, Pai, em mim e eu em ti, que eles também sejam um em nós”.

O modelo de comportamento que Jesus propõe a seus discípulos se pode reduzir a uma só lei: a lei do amor, que engloba em si todos os preceitos fundamentais: O primeiro é este: Escuta Israel: o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor, e amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças. O segundo é: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12, 29-31).

Na nova Aliança há um só supremo ato de culto: o sacrifício redentor de Cristo na Cruz, que tem um valor universal e que se atualiza constantemente na Igreja de modo sacramental. Este sacrifício fez de todos os povos um só povo: o povo de Deus (Ef 2,11-22). Cada um dos membros desse povo deve peregrinar na terra, no mundo que recebeu como dom de Deus, desprendido dos bens terrenos, a caminho da terra definitiva. 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Números



O nome do livro – Números – provém da tradução grega do Pentateuco, por volta do século II a.C. – que o chamou de “arithmoi” (números), em razão dos censos do povo que aparecem no começo. Entre os judeus recebe o nome de “Bemidbar” (“no deserto”), já que o primeiro versículo começa com esta palavra.  O livro dos Números trata da estada e peregrinação do povo de Israel no deserto, onde Deus se manifestou. 

Ensinamentos

O Livro dos Números mostra de uma forma muito peculiar qual é o modo de atuar de Deus com os homens e, concretamente, com o povo que Ele havia escolhido: Israel. Essa peculiaridade consiste em que Deus aparece como aquele que guia o seu povo através do deserto, a caminho da terra prometida. O povo em Números deixa de ser a multidão informe, que saiu do Egito, e passa a ser uma comunidade santa, que pode ser detalhadamente contada, constituída em virtude da Aliança.

O deserto é agora um lugar de passagem, cheio de dificuldades, onde o povo experimenta a tentação do desânimo e da rebeldia contra Deus, que o conduziu até ali; mas também é o lugar em que o povo conhece o perdão e a Misericórdia de Deus.
No deserto, Deus vai purificando seu povo por meio de sucessivas provas. A presença misteriosa de Deus no meio do seu povo, enquanto ele vai caminhando,  está simbolizada  na nuvem.

O Livro dos Números à luz do Novo Testamento

Jesus, antes de começar seu ministério público, foi levado pelo Espírito ao deserto, onde também sofreu tentações. Mas Jesus, diferentemente do povo de Israel, foi vitorioso (Mt 4, 1-11).

Depois, Jesus realizou prodígios similares aos que Deus havia feito no deserto, como a multiplicação dos pães (Mt 14, 13-21), e proclama que nele se encontram os dons divinos prefigurados durante aquela etapa do povo de Israel: Ele é a água viva (Jo 4,7); o verdadeiro pão descido do céu (Jo, 6); o caminho (Jo 14,6); o meio de salvação – como o foi a serpente de bronze (Jo 3,14-16); e o lugar definitivo do encontro com Deus (Jo 14, 8). Viver unidos a Cristo quando ainda peregrinamos neste mundo é, portanto, avançar com segurança em direção à Pátria definitiva.

Os Evangelhos apresentam Jesus como a atualização das realidades do deserto. A concepção virginal de Jesus se realiza por uma ação do Espírito Santo comparável à de sua presença na nuvem do deserto (Lc 1, 35). A vida de Cristo no meio dos homens é compreendida como a presença da Tenda de Deus no acampamento dos israelitas (Jo 1,14).

O livro dos Números, para os israelitas, significava não só a recordação do passado, mas, por assim dizer, o modelo de toda a sua história. Para os cristãos, esse modelo é Jesus Cristo, em quem se cumpriram as palavras daquele livro. Cristo se fez caminho e guia para fazer-nos avançar em nossa vida, na qual subsistem as provas e as dificuldades do deserto.

(cfr. Biblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra). 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Levítico



Para os fiéis atuais, a maioria das prescrições rituais do culto mosaico apresentam apenas um interesse documentário.

Com efeito, os descendentes de Levi foram colocados à frente do culto em Israel: recrutavam-se entre eles os sacerdotes e os servidores do templo. O Levítico é um manual redigido para eles, de acordo com os usos já muito antigos. Esse manual passou por muitas transformações e recebeu adições depois da construção do tempo de Salomão (sec. X a.C).

Os antigos hebreus conheciam quatro espécies de sacrifício: os holocaustos, nos quais a vítima oferecida era totalmente consumida pelo povo; as oblações ou ofertas de frutos, da farinha e de outros produtos agrícolas e da criação que acompanhavam o holocausto cotidiano; o sacrifício pacífico ou de ação de graças; e os sacrifícios de expiação, destinados a reparar os pecados e as faltas involuntárias contra as leis cerimoniais.

A importância das prescrições concernentes aos sacerdotes explica-se pelo fato de as funções sacerdotais ocuparem na vida dos hebreus um lugar da mais relevante importância.  Essas funções foram confiadas exclusivamente aos membros de ma única tribo, a de Levi (daí o nome de levitas). Ainda no tempo de Jesus Cristo existia essa atribuição, embora menos exclusiva.

As muitas prescrições concernentes ao estado de “pureza legal” cercava tudo aquilo que, na vida particular, poderia ser encarado em uma relação particular com Deus ou com o seu culto.

Há no Levítico um esboço de código civil e de leis que testemunham certo aperfeiçoamento moral no povo eleito. 

A lei de talião “olho por olho e dente por dente” (Lev 24,17-20 e Ex 21,24), abolida por Jesus Cristo (Mt 5,38-42) constitui a seu modo um verdadeiro progresso, se considerarmos os costumes existentes então, segundo os quais costumavam, habitualmente vingar sete vezes as injúrias e as injustiças recebidas.

(Fonte: Introdução à Bíblia Sagrada – Ed. Ave Maria) 

sábado, 29 de junho de 2013

Exôdo



Os hebreus, estabelecidos no delta do Nilo, depois da morte de José, tiveram que suportar o jugo dos egípcios. Em toda a Bíblia o Egito tornar-se-á o símbolo do adversário-tipo do povo eleito, o poder terreno que procura contrariar os planos divinos.
Deus chama Moisés para uma grandiosa missão de libertar do povo de Deus da servidão do Egito (assunto que constituiu este livro da bíblia), e revela-se a ele primeiro na sarça ardente. Moisés torna-se o chefe do povo oprimido e combate sob a guia divina contra os poderes do mundo.

A passagem do anjo que extermina os filhos dos egípcios testemunha que o povo eleito, libertado, terá que viver, daí em diante, no temor de Deus e reconhecido ao seu grande Benfeitor. A primeira festa da Páscoa foi cruenta: foi uma figura da grande e solene Páscoa, durante a qual, pela imolação de Cristo, o Cordeiro de Deus, toda a humanidade, espiritualmente falando, foi libertada do jugo do pecado e do demônio. Depois de ter libertado o seu povo, Deus o conduziu através das águas e através do deserto.

No monte Sinai, ele quis intervir solenemente e proclamar a Aliança com seu povo: “Se obedecerdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis, entre todos os povos, o meu povo todo particular...sereis uma nação consagrada” (Ex 19, 5-6).

O Decálogo será a carta deste contrato, o Direito dado por Deus ao seu povo libertado do Egito. O Decálogo é seguido de um texto legislativo, fragmento antiquíssimo (cap. 20 a 23), primeiro esboço de uma legislação social e religiosa completada mais tarde, e de leis rituais (cap. 25 a 30) redigidas posteriormente.

Um sacrifício cruento (cap. 14) formou a solene conclusão dessa aliança. Entretanto, o pacto, mal concluído, foi violado.

O povo cede à antiga tentação de materializar o seu Deus para torná-lo visível, construindo  um ídolo, como símbolo de sua força e de sua fecundidade. Este modo de manifestar ao ídolo o seu culto parece-lhe mais fácil do que adorar em espírito um Deus invisível. Deus corrige o seu povo, mas mostra-se magnânimo. A Aliança é renovada: a fidelidade dos hebreus, tanto às prescrições cultuais como aos mandamentos do decálogo deverá servir, para o futuro, de testemunho de seu reconhecimento para com os benefícios divinos.

O sinal visível do pacto entre Deus e o seu povo serão as tábuas da Lei, guardadas na arca da Aliança. Esta arca tem um valor simbólico do trono de Deus: ela testemunha que Deus habita no meio do seu povo, como penhor da fidelidade de suas promessas.

(Fonte: Introdução à Bíblia Sagrada – Ed. Ave Maria)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Introdução aos 5 Primeiros Livros da Bíblia



Quem conhece o Novo Testamento tem necessidade de estudar o Antigo. Não entenderíamos bem os Evangelhos, São Paulo e os demais escritos cristãos, se não conhecêssemos Abraão, Jacó, Moisés, Davi, Isaías....

O Antigo Testamento consta de 46 Livros. Costumam ser divididos em Históricos, Sapienciais e Proféticos. Os 5 primeiros livros da Bíblia constituem a Lei ou Torah de Moisés, também chamada de Pentateuco (em grego, pente = cinco; teuchos = rolo ou livro).

Os nomes das cinco partes do Pentateuco são gregos e devem-se aos judeus que fizeram a tradução da Bíblia do hebraico para o grego, conhecida como Versão dos LXX (Septuaginta), ou tradução alexandrina, entre os anos 250 a.C e 100 a.C.  Gênesis quer dizer origem, porque este livro começa falando das origens do mundo e do homem. Êxodo significa saída, porque o livro trata da saída dos judeus prisioneiros do Egito. Levítico é o livro dos levitas ou sacerdotes, pois apresenta leis para o culto. Números é o livro que começa com a história de um recenseamento feito por Moisés no deserto. Deuteronômio é o livro que contem a repetição da Lei (déuteron = segundo; nomos = Lei).

O Gênesis compreende duas partes: Gn 1-11 e 12-50. A primeira é chamada “pré-história bíblica”, porque apresenta acontecimentos anteriores à história bíblica; esta começa no capítulo 12 , com Abraão (sec. XIX a.C. ) e vem a ser o fundo de cena que explica por que Deus quis chamar Abraão e fazer-lhe promessas. O Criador fez o mundo e o homem muito bons, mas o pecado estragou a obra de Deus (como se vê no pecado de Caim, no dilúvio, na Torre de Babel). Por isto Deus separa um homem e a sua descendência para serem depositários da esperança de um Messias Salvador. A segunda parte do Gênesis (12-50) apresenta os patriarcas Abraão, Isaac e Jacó, mediante os quais Deus vai realizando a preparação do Messias.

O Êxodo descreve a saída do Egito mediante as 10 pragas e a celebração da Páscoa; a caminhada até o Monte Sinai; a aliança e a legislação do Senai.

O Levítico apresenta coleções de leis relativas ao culto e à santidade do povo.

O Livro dos Números contém outras leis mescladas com a narrativa da caminhada às margens do Jordão.

O Deuteronômio consta de cinco sermões de Moisés que recapitulam a Lei, e da narração do fim da vida de Moisés.

Esses dados permitem intuir a importância histórica, religiosa e moral do Pentateuco.

(Fonte: Escola “Mater Ecclesiae”. Curso Bíblico.) 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Gênesis



Sua interpretação

Os onze primeiros capítulos do Gênesis narram a criação do mundo e do homem, o pecado original e a história das origens da humanidade: os descendentes de Adão e Eva, o dilúvio universal, etc. Num documento de 1909, a Igreja afirma o sentido literal-histórico de 3 fatos essenciais:
- a criação de todas as coisas por Deus no princípio do tempo: do nada, Deus cria;
- a peculiar criação do homem (e da mulher): Deus intervém diretamente na criação do homem, e lhe confere uma alma espiritual;
- a unidade do gênero humano: todos os homens provêm de um único casal.

Esses 3 fatos não podem ser interpretados simplesmente de forma simbólica ou alegórica.

A Criação do Homem

A Sagrada Escritura sublinha uma intervenção direta de Deus na origem do homem, criado por Ele à sua imagem e semelhança (Gen 1, 26-27).

O texto do Gênesis narra o episódio em que Deus forma o homem a partir do barro da terra e lhe inspira um sopro ou hálito de vida (Gen 1, 27); isto é, Deus cuidou da formação do corpo e infundiu-lhe uma alma.

Os intérpretes não vêem inconveniente em afirmar que o “barro da terra” poderia significar um outro tipo de matéria, como por exemplo o corpo de um ser vivo pré-existente, que dispusesse das qualidades necessárias para receber uma alma humana.
Em resumo, a interpretação católica afirma que: 1) com relação à alma, deve-se crer que é imediatamente criada por Deus; 2) quanto à origem do corpo do homem, pode provir de espécies anteriores; 3) houve um primeiro casal, do qual todos descendemos e do qual herdamos o “pecado original”

Este último ponto gerou uma controvérsia sobre monogenismo/poligenismo. O poligenismo defende a existência de muitos casais na origem da humanidade atual; o monogenismo defende que todos os homens descendem de um único casal. Do ponto de vista científico, a controvérsia está superada, devido aos avanços da genética, que confirmam a origem monogenista da humanidade.

Conclusão

A evolução das espécies é plausível do ponto de vista lógico e científico. Mas como ela se deu permanece uma questão aberta, que continua sendo investigada pela ciência.

Do ponto de vista teológico, é bem plausível a hipótese de uma evolução. Deus poderia ter se servido de umas espécies já existentes e de outros fatores (físicos, genéticos, etc.) para fazer com que surgissem novos seres vivos. Deus costuma agir suavemente, como a brisa, sem grandes estrondos e intervenções espalhafatosas, e servindo-se de fatores “naturais” para obter o efeito desejado. A própria idéia de evolucionismo supõe um “plano diretor” e Alguém que o tenha elaborado.

O que não se pode aceitar é o evolucionismo impregnado de idéias materialistas, que partem do preconceito de que Deus não existe, de que o mundo é auto-suficiente e de que o homem não passa de um animal desenvolvido sem alma espiritual.

A fé nos diz que Deus – cuja existência pode ser demonstrada pela razão – criou o mundo a partir do nada e fez o homem à sua imagem e semelhança, infundindo-lhe uma alma racional que o difere de todos os animais.

O universo, a vida e o homem são maravilhas da criação, que permitem entrever a verdadeira fonte de onde toda essa energia procede, essa Luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo (Jo 1, 9).