Ensinamentos
A recompilação das tradições locais no livro dos Juízes
ilustra de modo exemplar a relação de Deus com seu povo. Desde o seu
assentamento na terra prometida Deus se interessou por Israel e atuou em seu
favor quantas vezes foi necessário. Assim, quando o povo eleito se via oprimido
por alguma circunstância angustiosa, Deus intervinha para libertá-lo.
Os relatos sobre os juízes manifestam uma grande rudeza que
é testemunho da situação na qual viviam as tribos de Israel nos seus primeiros
tempos. O autor sagrado utiliza tradições para ilustrar a mensagem que deseja
transmitir conservando os rasgos arcaicos das épocas mais antigas. Para
entender adequadamente os relatos sobre os juízes convém ter em conta algumas
advertências.
A primeira é que “Deus se revelou progressivamente” (CEC
199, 204, 287, 486, 758, 992-96). Isto é: a Revelação divina se foi realizando
de modo gradual, tanto nos conteúdos doutrinais como na sensibilidade ética.
Por isso, não se podem tomar agora como modelos uns personagens que atuam com
umas convicções ou uns critérios ético superados quando a Revelação alcançou
sua plenitude em Jesus Cristo. Mesmo na época em que o livro foi redigido algumas
práticas já estavam superadas. Também é necessário ler as narrativas no
contexto de toda a obra. Lidas em seu conjunto, as façanhas dos juízes não
foram incluídas no livro sagrado como modelos de comportamento nem de atitude
religiosa. Esses homens viveram em um tempo de costumes e de valores muito
elementares, que manifestam a rudeza daquela época. Ainda que a Sagrada
Escritura fale claramente desses acontecimentos, não pretende apresentá-los
como exemplares.
As tradições acerca do das gestas dos juízes se incluíram no livro
sagrado como testemunho de que Deus não se esqueceu de seu povo quando este se
encontrava angustiado e suscitou uns homens capazes de livrá-los de seus
opressores.
O autor sagrado, ao apresentar a cada um dos juízes maiores,
desenvolve os elementos da tradição agrupando-os em torno a um esquema: pecado,
castigo, salvação. Todo o livro é um chamado a viver a fidelidade à Aliança. O
pecado é uma ruptura a esta fidelidade. No entanto, frente à fragilidade do
povo, se ressalta a paciência e a fidelidade de Deus.
A intervenção salvadora de Deus começa pela eleição gratuita do homem
a quem corresponderá reestabelecer a situação. Assim o expressa, por exemplo, o
diálogo de Gedeão com o Anjo do Senhor: “Gedeão replicou: Por favor, meu
senhor, como poderei eu libertar Israel? Minha família é a mais humilde de
Manassés, e na casa de meu pai eu sou o último. O Senhor respondeu: “Eu estarei
contigo, e tu derrotarás os madianitas como se fossem um só homem” (Jos
6,15-16).
O livro dos Juízes é também um canto de libertação. Quando Deus
contempla as dificuldades de seu povo ante o perigo e escuta seu pedido de
ajuda, vai libertá-los de seus inimigos temporais, Estas experiências de liberação de libertação são os
primeiros marcos, depois da libertação do Egito, da ação divina que culminará
na libertação definitiva. Essas recordações servirão para alimentar a
esperanças nos momentos difíceis do Desterro (sec. VI a. C), e são presságio de
realidades mais profundas que se manifestarão posteriormente.
O Livro dos Juízes à Luz do Novo Testamento
O ensinamento teológico do livro dos Juízes encontra sua plenitude à
luz do Novo Testamento. A Encarnação do Filho de Deus e sua missão salvífica
são a manifestação patente de que Deus não se despreocupa de seu povo nem da
humanidade como um todo.
A iniciativa de Deus ao escolher uns homens e a gratuidade dessa
chamada, que já se descobrem no livro dos Juízes, aparecerão mais profundamente
no Novo Testamento. Assim o ensina por exemplo São Paulo:”De fato, irmãos,
reparai em vós mesmos: não há entre vós muitos sábios de sabedoria humana, nem
muitos poderosos, nem de família nobre. Mas o que para o mundo é loucura, Deus
os escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus
escolheu para envergonhar o que é forte”. Deste modo, ao constatar a imensa
desproporção entre as qualidades dos eleitos e os frutos que produz o seu
labor, percebe-se com claridade que a eficácia vem de Deus.
Alguns relatos do Livro dos Juízes foram contemplados pelos Padres da
Igreja à luz do mistério de Cristo. Por exemplo, a figura de Sansão foi
comparada com Jesus Cristo, e seu triunfo sobre os filisteus é para os cristãos
um símbolo da redenção divina e da vitória sobre a morte. Na vida da Igreja, a
experiência da libertação que transmite o livro dos Juízes é compreendida como
antecipação da ação de Jesus Cristo, pleno libertador do homem, não só das
condições materiais adversas e injustas, mas autor da mais profunda libertação,
a do pecado e da morte.
(cfr. Biblia Sagrada anotada pela Faculdade de
Teologia da Universidade de Navarra).